Quantas vidas cabem em uma existência?
A pergunta formulada por uma das seis mulheres que compartilham as guinadas que deram em suas vidas, nos vídeos da campanha publicitária ‘Velha pra isso’ da Natura (*), pode não ter sido articulada exatamente com essas palavras, mas o seu significado e a intensidade com que foi proferida me induziram a pensar. A refletir sobre quantas vezes limitamos nossas escolhas, para que elas correspondam a um modelo ideal; quantas vezes reprimimos nossa vontade, para nos enquadrar ao que (achamos) se espera de nós; quantas vezes seguimos a determinação de que há uma idade adequada para tudo.
Sim, a tal da idade certa.
A idade certa para escolher a profissão; a idade certa para fazer faculdade, se formar e começar a trabalhar; a idade certa para se apaixonar, sofrer por amor, deixar de sofrer por amor e se aprumar; a idade certa para achar a pessoa, com P maiúsculo, casar e ter filhos; a idade certa para reconfirmar essa união, com tudo o que ela tem de bom e de ruim; a idade certa para abrir mão do casamento, se divorciar, vencer o luto da separação e casar de novo (ou não); a idade certa para entrar em crise em relação à primeira profissão e mudar de carreira; a idade certa para repensar a segunda (terceira, quarta…) opção e começar tudo outra vez; a idade certa para pisar no freio; a idade certa para acelerar…
Sim, assim. Como a se a vida seguisse um só roteiro e a tal da idade certa realmente existisse com todos os tempos precisamente cronometrados. Como se tempo e sentimentos se relacionassem cartesianamente; como se os desejos, as paixões, as inquietações, os medos e as descobertas marcassem data e hora para se manifestar. Como se tudo o que fugisse ao estipulado por essa agenda draconiana fosse ilegal, imoral, ou engordasse. (Só espero que o rei, Roberto Carlos, e o Tremendão, Erasmo, não me processem pela alusão à letra de uma de suas canções nesse contexto :--D).
Assim, sim. Porque, nesse contexto, não ter dia e hora marcados para tudo implica andar à deriva, como os antigos navegadores, quando perdiam o rastro das estrelas e se viam privados dos ventos. Sua única saída era sobreviver à calmaria, enfrentando o turbilhão de reflexõoes e devaneios que a estagnação sob o sol e sal marinhos impingem. As a-l-u-c-i-n-a-ç-õ-e-s! Derivações de sonos mal dormidos, picotados pelo desejo de sonhar além dos calendários.
Talvez tenha sido por conta de uma delas que as minhas escolhas não tenham seguido o roteiro convencional. Aquele que prenunciava minha permanência na pequena cidade onde nasci e cresci, escolhendo uma profissão que fosse exercer ali, me casando e constituindo família com alguém de lá. Tudo na chamada idade certa. Talvez tenha sido uma dessas visões que me fez bagunçar o script, para reescrevê-lo do meu próprio punho, com os garranchos não domados pelas tantas aulas de caligrafia da escola primária. Uma história recheada de espaços para improvisos, que me fortaleceu com o exercício do jogo dos contrários: E se?... Vai saber o que teria sido…
É…, acho que viajei na maionese, com essa reflexãao sobre os diversos caminhos que mapeiam a passagem do tempo. Sobre essa tal de idade certa, que tanto determina e oprime quem a ela se submete e tanto confronta quem contra ela se rebela. Sobre as personas que encarnei, em submissão e as que me neguei a personificar em rebeldia, ou vice-versa. Sobre ser ou não velha demais para…
… Ainda sonhar com outra profissão, tingir o cabelo de vermelho, me inquietar com o que parece garantido, usar jeans pra lá de surrados, sentir medo de perder o que parece garantido, pintar as unhas de amarelo-dourado, brigar pelo que parece garantido, calçar sapatos turquesa-cetim, garantir, garantir e garantir que nada está totalmente garantido. Porque tudo é transitório e mesmo aquilo que dura uma vida inteira, muda, se renova.
E já que é assim: que eu tenha coragem. Coragem para rasgar as fantasias, as personas, os fantasmas, as alegorias que usei até aqui; coragem pra recolher os retalhos e reiventar o que vou vestir a partir de agora; coragem para ajeitar os óculos, alcear as sobrancelhas e, independente da idade, mais uma vez, subverter o script. Quem sabe, começando por escrever: jovem, eeeeu? Jovem, pra que? Pra que mesmo?!!!
Fonte: https://veradiasduasvezestrinta.blogspot.com.br/2016/11/velha-demais-pra-isso-too-old-for-that.html?spref=fb
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